quarta-feira, 20 de julho de 2011

11 razões para o preço dos imóveis seguir em alta‏ e A culpa da Prefeitura na especulação imobiliária em SP

– Os preços subiram muito, mas não são absurdosSão Paulo – EXAME.com publica nesta quarta-feira a segunda reportagem da série sobre os preços dos imóveis no Brasil. Após mostrar ontem os sinais de que já pode haver uma bolha no mercado (clique aqui e veja), hoje serão apresentados os argumentos de quem acha que o país está apenas no começo de um longo ciclo positivo para o mercado imobiliário. O argumento número 1 desse grupo é que os preços não são nenhum absurdo mesmo após a alta recente. Para Fabio Nogueira, sócio-fundador da BFRE, os preços estavam errados até meados da década de 2000 – e não agora. A valorização dos últimos anos representou apenas uma correção após um período de quase 20 anos de defasagem em relação à inflação. A partir do momento em que a economia brasileira deu um salto e mudou de patamar, era natural que os preços dos imóveis se valorizassem. A realização de grandes eventos esportivos como a Copa (foto) e a Olimpíadas no país também ajudou o mercado em cidades como Rio de Janeiro e São Paulo. Mesmo com a recuperação recente, há dados que comprovam que os preços ainda não são exagerados. Um estudo do banco JPMorgan, por exemplo, mostra que o valor dos imóveis no Brasil corresponde a 5,5 vezes a renda anual média das famílias. Na China ou Singapura, essa proporção chega a 11 vezes. Haveria, portanto, espaço para que os preços se mantenham em alta.

2 – A demanda por imóveis anda muito forte

Neste mês, a incorporadora Brookfield lançou o empreendimento One World Offices (foto) na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. Todos os 830 escritórios e salas comerciais valiam 220 milhões de reais e foram vendidos em apenas cinco dias. Nos últimos anos, não têm sido raros os empreendimentos imobiliários vendidos com uma velocidade espantosa, tamanha é a demanda atual. Além do interesse de investidores por imóveis comerciais, o apetite de todas as classes sociais por moradias melhores também anda muito superior ao das duas décadas anteriores. Para o americano Peter Turtzo, vice-presidente da Sotheby’s International Realty, o programa Minha Casa, Minha Vida estaria por trás desse fenômeno. Os subsídios governamentais aliados às facilidades de crédito permitiram que muita gente tivesse acesso à compra da primeira casa própria. Já as outras escalas da pirâmide passaram a ter a oportunidade de dar um passo adiante e vender a atual residência para comprar uma melhor (clique aqui e leia a entrevista). Na semana passada, a presidente Dilma Rousseff lançou o programa Minha Casa, Minha Vida 2 e prometeu a construção de mais 2 milhões de casas populares. Estariam dadas as condições, portanto, para que a demanda por residências continue forte ao menos até 2014. O desaquecimento no ritmo de venda dos imóveis em São Paulo no primeiro quadrimestre, mostrado por números do Secovi e do Creci, não seriam motivo de preocupação. “A queda nas vendas é apenas efeito sazonal de um Carnaval que veio em março”, diz Gonzalo Fernandez, presidente da imobiliária Fernandez Mera. “As incorporadoras adiaram alguns lançamentos no início deste ano, mas a demanda segue robusta.”

3 – Há espaço para o crédito imobiliário crescer

O crédito imobiliário tem crescido muito rápido no Brasil, mas ainda é pequeno quando comparado ao de outros países. No Brasil, os empréstimos para a compra de imóveis somam cerca de 5% do PIB – contra 11% do México e 18% do Chile. É lógico que cada país tem suas idiossincrasias, mas é inegável que os números provam que ainda há espaço para crescimento. Fabio Nogueira, sócio-fundador e diretor da BFRE, cita outros números para mostrar que o Brasil ainda está longe de uma bolha do crédito, como as que estouraram nos Estados Unidos e na Europa em 2008. Os financiamentos custam ao menos 11% ao ano por aqui (entre custos com juros e seguros), contra 4% no exterior. Em média, o brasileiro toma 62% do valor do imóvel emprestado e coloca outros 38% do próprio bolso. O prazo médio dos financiamentos é de 15 anos – apesar de os prazos máximos oferecidos pelos bancos já chegarem a 30 anos. Aqui somente os bancos e as incorporadoras financiam os imóveis e não é possível tomar mais de um empréstimo por pessoa nem financiar um valor que supere o do próprio bem. Apesar de mais agressivas, as instituições financeiras brasileiras continuam bem mais criteriosas que as americanas, que liberavam financiamentos para um público ironicamente apelidado de NINJA (No Income, No Job or Asset). Como muitos brasileiros colocam dinheiro do próprio bolso para comprar imóveis, terão motivos para lutar e pagar as prestações até o final, evitando que os imóveis sejam retomados pelo banco em um eventual momento de dificuldade. Além disso, quando tiverem imóveis já próximos de serem quitados, não vão vendê-los a qualquer preço como ocorreu nos EUA e deverão esperar até a chegada de outro momento favorável no mercado. “Só uma alta alavancagem pode fazer com que os preços despenquem 50% como nos EUA”, diz Fabio Nogueira. “Não vejo isso ocorrendo no Brasil nem se houver uma freada brusca na economia.”

4 – Faltam imóveis comerciais no Brasil

A oferta de imóveis é pequena para atender a demanda em praticamente todos os segmentos do mercado brasileiro. No entanto, entre imóveis comerciais, há uma abundância de números que sustentam a visão de escassez. Segundo André Rosa, diretor de vendas e investimentos da consultoria Jones Lang LaSalle, todo o estoque de prédios de escritórios de alto padrão destinados a abrigar grandes empresas em São Paulo soma 2,6 milhões de metros quadrados. Isso é apenas uma pequena fração do inventário de Nova York (22 milhões de metros), Washington (16 milhões) ou Boston (8,6 milhões). É a própria escassez que tem levado as grandes empresas a fechar contratos de pré-locação em edifícios que só ficarão prontos daqui a vários meses. “Dos três edifícios de alto padrão na avenida Faria Lima [foto] que serão entregues neste ano, um está 100% locado e dois estão com 70% dos contratos já fechados”, diz Fernando Faria, vice-presidente da consultoria CBRE. “Em um mercado equilibrado, o edifício teria apenas 30% de ocupação no momento da entrega das chaves.” Esse problema pode ser observado nas sete principais capitais brasileiras, que possuem taxas de vacância em edifícios corporativos inferiores a 6% do estoque. Nem mesmo o grande número de entregas previstas para 2011 e 2012 deve ser suficiente para mudar o cenário. “Falta tudo para as empresas brasileiras. Não temos escritórios, galpões industriais, centros de distribuição, lojas nem hotéis em número suficiente”, diz André Rosa, da Jones Lang.

5 – O câmbio influencia a visão de que os imóveis estão caros demais

Os aluguéis dos imóveis estão caros no Brasil quando comparados aos cobrados nos Estados Unidos, por exemplo. Mas o câmbio tem um papel importante nessa conta. “Se o dólar não estivesse desvalorizado, não chegaríamos a essa situação de haver imóveis para locação mais baratos em Manhattan do que em São Paulo”, diz Fernando Faria, vice-presidente da CBRE. Portanto, o ajuste dos preços ao que pode ser considerado normal pode acontecer sem a desvalorização dos imóveis no Brasil, mas apenas com o fortalecimento do dólar em relação ao real. André Rosa, da Jones Lang, também lembra que os preços dos aluguéis cobrados hoje estão dentro do que as empresas brasileiras são capazes de pagar. Ele lembra que a imensa maioria dos contratos de locação fechados no país tem uma cláusula de “early termination”. Se achar que o preço está acima de suas possibilidades ou de um patamar considerado justo, o locatário pode pagar uma multa e devolver o imóvel ao proprietário. “Essa legislação funciona como uma proteção contra bolhas”, diz Rosa

6 – Os preços dos terrenos empurram os imóveis para cima

Em cidades como Rio de Janeiro ou São Paulo, as grandes incorporadoras têm protagonizado uma competição ferrenha por terrenos. Os espaços disponíveis para novos empreendimentos em áreas centrais dessas cidades são raros. Em geral, os poucos terrenos que ainda sobram ou não estão à venda ou possuem diversas pendengas jurídicas. “Com o atual preço dos terrenos, não vejo como as incorporadoras possam cobrar menos pelos imóveis”, diz Gonzalo Fernandez, presidente da Fernandez Mera. “Acredito, inclusive, que os preços dos lançamentos que serão feitos no segundo semestre serão 10% ou 15% maiores para refletir o aumento dos terrenos no ano passado.” Há poucos dados sobre os preços de áreas desocupadas nas metrópoles, mas Fernandez estima que os valores praticamente dobraram nos últimos dois anos. Uma prova de como o terreno influencia o custo final de uma obra é o bairro do Morumbi (foto). Como ainda há diversos terrenos disponíveis por lá, os preços dos imóveis têm subido bem menos que nas regiões centrais de São Paulo.

7 – A Prefeitura de São Paulo contribui para a escassez

Um dos culpados pela falta de terrenos na cidade de São Paulo é a própria Prefeitura. Desde a década de 1970, o poder público tem tomado medidas para restringir cada vez mais a ocupação do solo na cidade. Além das leis de zoneamento equivocadamente restritivas, as incorporadoras que estão dispostas a pagar as pesadas taxas exigidas pela Prefeitura para desenvolver projetos na cidade também têm encontrado dificuldades para comprar os títulos de outorga, já esgotados em vários bairros. As políticas, elaboradas com o objetivo de evitar os problemas de um adensamento exagerado, só agravaram problemas como o trânsito, já que obrigaram as incorporadoras a lançar empreendimentos cada vez mais longe. O resultado é que alguns terrenos hoje já representam entre 50% e 60% do custo de uma obra – e quem paga a conta é o comprador (clique aqui e entenda

8 – Os custos da construção também sobem rápido

Não são apenas os terrenos que pressionam os preços dos imóveis. Aluguel de equipamentos, materiais de construção e contratação de mão-de-obra ficaram bem mais caros nos últimos anos. Para o vice-presidente da construtora Racional Engenharia, Marcos Santoro, não há como esses preços se acomodarem em um ambiente em que haverá grandes obras de infraestrutura sendo realizadas para a Copa e as Olimpíadas e com o atual boom imobiliário (clique aqui e leia a entrevista). O professor O João da Rocha Lima Jr., do Núcleo de Real Estate da Poli-USP, lembra que o avanço tão rápido dos custos tem criado dificuldades para as próprias incorporadoras avaliarem o valor justo de um imóvel no momento do lançamento. Muitas empresas acabam incluindo uma margem de segurança na hora de fixar o preço justo – o que encarece o imóvel para o consumidor. Mesmo assim, as incorporadoras não estão ganhando mais dinheiro. As margens de lucro das empresas, na verdade, estão sendo corroídas pela alta das despesas – tanto que as ações das maiores companhias do setor têm apanhado na BM&FBovespa.

9 – As incorporadoras sabem como fazer um imóvel caber no bolso do consumidor

Por mais que os preços tenham subido, as incorporadoras sabem muito bem como fazer uma residência caber no bolso dos potenciais compradores. Uma tendência do mercado imobiliário paulista, por exemplo, foi aumentar o número de lançamentos nas regiões mais afastadas do centro da cidade, onde os terrenos são mais baratos. A proporção entre lançamentos na capital e na região metropolitana já foi igual a 80%-20% no passado, mas hoje está bem próxima de 50%-50%. Em Jundiaí (foto), a 60 km de São Paulo, por exemplo, os lançamentos dobraram nos últimos dois anos – e 30% dos compradores trabalham na capital. Outro artifício utilizado pelas incorporadoras foi reduzir o tamanho dos apartamentos lançados em bairros nobres e melhorar a área comum dos edifícios para que famílias possam se sentir bem e receber amigos mesmo morando em apartamentos de 50 metros quadrados. Para Gonzalo Fernandez, presidente da Fernandez Mera, quando os preços baterem em um teto no Rio de Janeiro e em São Paulo, provavelmente a incorporadoras vão concentrar seus lançamentos em outras capitais brasileiras. A busca por uma atuação mais forte longe dos grandes centros já começou e deve se intensificar nos próximos anos.

10 – O mercado de capitais vai permitir o crescimento do crédito imobiliário

Bancos e especialistas em crédito imobiliário já admitem que os recursos do FGTS e da caderneta de poupança já não serão suficientes para financiar o crescimento dos financiamentos a partir de 2013 se a liberação de empréstimos continuar se expandindo no ritmo atual. A redução da oferta de crédito poderia ser fatal para a escalada dos preços. Muita gente, no entanto, argumenta que existe no mercado de capitais brasileiro algumas alternativas para que bancos e construtoras possam captar recursos. A principal delas seria a securitização, uma operação por meio do qual os bancos repassam a investidores carteiras de créditos e levantam o capital necessário para realizar novos empréstimos. Para Fabio Nogueira, sócio-fundador da BFRE, o instrumento de securitização com maior potencial de crescimento no Brasil são os CRI (certificados de recebíveis imobiliários). Esses papéis foram regulamentados em 1997, passaram por diversos testes no Brasil, mas ainda não ganharam a escala necessária nem um mercado secundário com liquidez. Somente a Caixa Econômica Federal (foto) já fez uma oferta de CRI com valor mínimo de 10.000 reais e prioridade para a pessoa física. Mas com a queda dos juros e a necessidade dos bancos de captar dinheiro no mercado, diz Nogueira, o estoque de CRI no Brasil poderia crescer dos atuais 30 bilhões de reais para algo em torno de 300 bilhões de reais. Outra ideia em discussão é que os bancos possam emitir CDBs de longo prazo exclusivos para o mercado imobiliário que contem com incentivos fiscais. Um problema comum a todos os instrumentos de captação de recursos para o setor é a falta de interesse dos fundos de pensão, os grandes detentores de poupança de longo prazo no país. Nos últimos anos, essas instituições têm preferido investir no mercado de ações que em imóveis. “Se o governo atender ao pleito do setor e der isenção de Imposto de Renda para o CDB imobiliário, certamente haverá demanda dos investidores”, diz Joe Powell, da consultoria Crédito Imobiliário Fácil.

11 – Quase tudo custa mais no Brasil

A economia brasileira possui diversas ineficiências que contribuem para elevar o preço de praticamente tudo que é vendido por aqui. Não é à toa que os carros brasileiros sejam os mais caros do mundo e que os restaurantes nacionais (foto) cobrem preços muitas vezes superiores aos de Nova York ou Londres. Há toda uma conjuntura macroeconômica que explica esses valores. Os impostos são muito altos, assim como as taxas de juros. A competição na maioria dos setores não é suficiente para manter as margens de lucro das empresas em patamares interessantes para o consumidor. Somente a mão de obra ainda parece competitiva no Brasil – o que, para os assalariados, não é algo a se comemorar. O resultado é que, com exceção de alimentos, quase tudo no Brasil parece hoje mais caro que nos EUA. Por que com os imóveis seria diferente?

A culpa da Prefeitura na especulação imobiliária em SP

Para setor de construção, leis equivocadas encarecem os terrenos nos melhores bairros, agravam problemas de infraestrutura e pioram o trânsito e a poluição

Bia Parreiras
Estação da Luz, em São Paulo: parte do bairro será desapropriado para abrigar novos prédios
Estação da Luz, em SP: parte do bairro será desapropriado para abrigar novos prédios
São Paulo - Sempre que se fala da recente valorização dos imóveis na cidade de São Paulo, surgem muitas explicações para o fenômeno. As mais comuns são o crescimento da economia brasileira, o aumento da renda da população, a expansão do crédito bancário e um movimento de recuperação dos preços após anos de estagnação. Para representantes do setor imobiliário, no entanto, há um ingrediente adicional que não é muito comentado. As leis para a utilização dos terrenos na cidade aprovadas por vários dos políticos que comandaram a Prefeitura de São Paulo nas últimas décadas não favorecem em nada a utilização de alguns dos melhores terrenos. A escassez deixou muitos proprietários com a faca e o queijo não mão. Eles passaram a pedir preços exorbitantes por suas terras. Para se ter uma ideia, o terreno, que historicamente custava entre 15% e 25% da despesa total para a construção de um empreendimento imobiliário na cidade, hoje já representa entre 30% e 35%, segundo o professor João da Rocha Lima Jr., do Núcleo de Real Estate da Poli-USP. Em regiões como a av. Faria Lima, onde praticamente não há terrenos à venda, esses percentuais podem alcançar 50% ou mesmo 60% do valor total da obra. A alta do custo, lógico, acaba repassada ao consumidor.

A ideia de restringir a ocupação dos terrenos em São Paulo nasceu na década de 70, quando Olavo Egydio Setubal era o prefeito. Em sua gestão, ficou estabelecido que na maior parte das áreas da cidade uma incorporadora só conseguiria a aprovação da prefeitura para projetos imobiliários que fossem equivalentes a no máximo quatro vezes o tamanho do terreno. Isso quer dizer que em um terreno de 10.000 metros quadrados, por exemplo, na melhor das hipóteses poderia ser erguido um prédio de até 40.000 metros quadrados de área útil.
No início da década passada, a então prefeita Marta Suplicy (PT) foi além. O plano diretor aprovado criou várias restrições para que se pudesse construir até quatro vezes o tamanho do terreno. Na maioria da cidade, ficou estabelecido que esse limite seria de uma ou duas vezes. Para que esse patamar fosse ultrapassado, seria necessário comprar licenças da prefeitura – seja por meio de outorgas ou e em determinadas áreas através de Cepacs (Certificados de Potencial Adicional de Construção).
Isso, por si só, já inviabilizou a construção de empreendimentos imobiliários com lucro em diversos terrenos da cidade. Mas atualmente o problema é bem maior. A prefeitura também estabeleceu que haveria um limite de outorgas e Cepacs que poderiam ser utilizados pelas incorporadoras. Na região da av. Faria Lima, não há mais Cepacs. Em diversos bairros, o limite de outorga também já foi esgotado (clique aqui e veja a lista dos principais).
"Os limites de construção estabelecidos para cada bairro foram estipulados em um momento ruim da economia e não refletem a atual demanda por imóveis", diz Cláudio Bernardes, vice-presidente do Secovi-SP (o sindicato das imobiliárias). Desde 2007, o plano diretor poderia ter sido revisto, mas o prefeito Gilberto Kassab (DEM) nunca conseguiu chegar a um acordo com a Câmara dos Vereadores para corrigir essa distorção. Outro erro que poderia ter sido corrigido é que o plano diretor da gestão Marta deixou alguns buracos negros na cidade. Há áreas que não fazem parte de nenhum zoneamento, como trechos da Vila Mariana. Nesses locais, nada pode ser construído.
Para representantes do setor imobiliário, outro erro da gestão Marta foi estabelecer que centenas de terrenos da cidade passariam a ser zonas especiais de interesse social (ZEIS). Nessas áreas, boa parte do terreno só poderia ser ocupada por empreendimentos imobiliários destinados à população de baixa renda. Seria uma forma de criar os espaços necessários para retirar moradores de áreas de risco de desabamento, por exemplo. O que parecia ser uma política social inteligente acabou se mostrando um rotundo fracasso. Antes do programa Minha Casa, Minha Vida, as incorporadoras não conseguiam viabilizar projetos para atender quem ganhava menos de seis salários mínimos. Como a maioria das ZEIS não foi ocupada, as grandes áreas vazias só contribuíram para elevar a especulação imobiliária em bairros como a Mooca. "Foi um tiro no próprio pé", diz Max Rezende Filho, presidente da consultoria Solamax, que assessora as incorporadoras na busca de terrenos para a construção de empreendimentos imobiliários.

A reação das incorporadoras
Talvez o maior exemplo de como a escassez de terrenos influencia os preços dos imóveis na cidade seja o Pátio Malzoni. No ano passado, o grupo Victor Malzoni e o banco BTG Pactual compraram 34.000 metros quadrados do maior prédio em construção na avenida Faria Lima por 601 milhões de reais no ano passado. Na época, o preço de 17.655 reais por metro quadrado pago à incorporadora Brookfield assustou muita gente no mercado imobiliário. Hoje, já há especialistas que consideram que o negócio saiu barato. "É praticamente impossível construir outra laje comercial desse padrão na avenida Faria Lima", diz Walter Cardoso, presidente da CB Richard Ellis, líder em locação de prédios comerciais na cidade. Mesmo com o maior valor de aluguel da cidade, o prédio já está 80% locado oito meses antes da entrega.
Como não é qualquer um que pode comprar ou locar imóveis como valores como esses, as incorporadoras tiveram de adaptar seus empreendimentos à nova realidade. "O mercado se reinventou com a redução do tamanho dos imóveis", diz Vinicius Leite, vice-presidente da imobiliária Fernandez Mera. Em bairros com terrenos caríssimos como a Vila Olímpia, virou tendência lançar apartamentos de 40 ou 50 metros quadrados. Mesmo com preços que se aproximam de 10.000 reais o metro quadrados, os imóveis continuaram a caber no bolso da classe média. Para compensar a falta de espaço, os empreendimentos ganharam uma área comum mais generosa, como uma grande lavanderia, um salão de festas amplo para receber os amigos ou um espaço com churrasqueira e forno de pizza. "O comprador típico é um solteiro ou um casal sem filhos que trabalha na região e não tem mais paciência para o trânsito da cidade", diz Leite.
Outra estratégia das incorporadoras foi explorar oportunidades em bairros mais afastados das regiões centrais. Hoje em dia, as cidades da região metropolitana representam 40% dos lançamentos na Grande São Paulo enquanto a capital fica com os outros 60%. Essa proporção costumava ser de 20% e 80% há alguns anos, diz Cláudio Bernardes, do Secovi-SP. Sempre que as pessoas decidem morar mais longe, o resultado inevitável é a piora do trânsito e da qualidade do ar. O problema é grave principalmente na zona oeste, onde desembocam grandes rodovias como Castello Branco, Raposo Tavares, Anhanguera e Bandeirantes.
Esse fenômeno não pôde se repetir no mercado de imóveis comerciais porque as maiores empresas do Brasil não aceitam ficar tão distantes de clientes e fornecedores. A exceção foi Barueri, que atraiu muitas companhias que não aguentavam mais os aluguéis caros da cidade com a oferta de incentivos tributários. A regra geral, no entanto, foi a construção de escritórios em toda a extensão da marginal Pinheiros. Há centenas de edifícios na faixa que vai de Pinheiros até Interlagos. A expectativa é que bairros como a Lapa, a Barra Funda e a Cada Verde possam em algum momento se tornar polos de atração de empresas quando os terrenos na zona sul acabarem. De certa forma, a oferta tem conseguido atender a demanda atual das empresas por espaços. O problema é que ficou impossível para a prefeitura prover todas essas regiões com a infraestrutura necessária, transporte público eficiente e obras viárias para desafogar o trânsito.

Obras como a ponte estaiada, financiada com dinheiro dos Cepacs, melhoram a mobilidade, mas têm um alcance muito limitado. A demora na construção da linha 4 do metrô é o maior exemplo de como é caro e difícil prover uma única região de cidade com uma infraestrutura de transportes adequada. Serve também para provar que nem a prefeitura nem o governo do estado teriam condições para tocar diversas obras dessa envergadura ao mesmo tempo para resolver problemas semelhantes em avenidas como Juscelino Kubitschek, Morumbi, Berrini e Roque Petroni.

É por esse motivo que cidades americanas optaram por promover um enorme adensamento nas áreas destinadas para as empresas. É bastante comum nos EUA encontrar em algum bairro dezenas de arranha-céus com mais de 70 andares que possam abrigar o maior número de escritórios possível. A prefeitura então investe seus recursos para garantir a mobilidade nas imediações desse local, com transporte público, pontes, túneis e outras obras viárias caras. É por isso que muitos dos prédios mais modernos de Londres ou Nova York simplesmente não têm vagas de estacionamento enquanto alguns empreendimentos de São Paulo já são planejados para abrigarem mais de 1.500 carros. Trata-se de dois modelos drasticamente distintos. "Definitivamente o Brasil não é o país dos urbanistas", diz Walter Cardoso, da CB Richard Ellis.

Os planos da prefeitura
Apesar da demora na aprovação de um novo plano diretor, a Prefeitura de São Paulo tem alguns planos, que, se saírem do papel, poderiam ajudar na situação. O primeiro deles é a ideia do IPTU progressivo para as ZEIS. A Câmara dos Vereadores aprovou no ano passado que os proprietários de terrenos baldios ou subutilizados têm um ano para apresentar projetos de ocupação. Caso contrário, serão penalizados com o IPTU progressivo. A cada ano, a alíquota do imposto será dobrada até que atinja 15% do valor da propriedade. Trata-se, portanto, de um enorme incentivo para a utilização do terreno. O único questionamento do mercado é que a lei pode ter chegado tarde. "Quem estava sentando em cima do terreno especulando, esperando os preços subirem, vai ter de se mexer. Mas pode levar anos para que isso aconteça", diz Max Rezende Filho, da Solamax.
A segunda estratégia da prefeitura é recuperar áreas degradadas da cidade. A principal aposta é o projeto da Nova Luz, que prevê a desapropriação de uma grande área na região de São Paulo conhecida hoje como "cracolândia". Uma vez demolidos os atuais imóveis, seriam desenvolvidos empreendimentos imobiliários atraentes o suficiente para que grandes empresas e a classe média se interessem em ocupar um espaço que hoje está entregue a viciados em drogas e moradores de rua e de cortiços. O problema é que, desde a gestão Jânio Quadros, na década de 1980, a prefeitura nunca mais foi ágil o suficiente para desapropriar grandes áreas. Indenizações aos atuais moradores demoram a ser pagas e costumam ser questionadas na Justiça. Para as empresas que foram atraídas por leis de incentivo fiscal e estão dispostas a se instalar na região, não resta alternativa além de esperar.
O secretário de Desenvolvimento Urbano, Miguel Bucalem, também propõe a revitalização de toda a orla ferroviária da cidade como forma de abrir novos espaços de ocupação. Nas últimas décadas, as regiões próximas aos trilhos acabaram abandonadas. Os moradores se afastaram devido ao barulho do sistema ferroviário. Já as incorporadoras evitavam lançamentos nessas regiões devido à falta de demanda. A prefeitura ainda não fechou como será o projeto de revitalização. A ideia atual é enterrar os trilhos em boa parte da cidade e recuperar toda a área que vai da Lapa (zona oeste) à Vila Carioca (zona sul, na divisa da cidade com São Caetano do Sul). Para Cláudio Bernardes, do Secovi-SP, a ideia é correta. Trata-se uma faixa da cidade que já tem infraestrutura de transporte. Instalar outros equipamentos como hospitais e escolas é bem mais barato. O que ainda não se sabe é se enterrar a malha ferroviária não encarecerá demasiadamente o projeto.
Em 2012, a prefeitura terá obrigatoriamente de elaborar um novo plano diretor para a cidade. Os estudos para a elaboração da proposta já começaram. Por enquanto, as incorporadoras têm se adaptado à realidade dos terrenos caros elevando o preço dos lançamentos imobiliários. Uma análise dos balanços das empresas do setor que possuem ações em bolsa mostra que a alta dos preços tem servido mais para repassar o aumento dos custos do que para elevar as margens das companhias. Com a expansãobrasileira, o mercado tem aceitado esses aumentos de preço. Não se sabe, entretanto, quais são os limites para os reajustes. Se o poder público tomar as deciscorretpara que a oferta móveis possa se aproximar rapidamente da demanda, quem ganhará serão os moradores e as empresas instaladas na cidade.Plano diretor impede construção de grandes prédios residenciais em 11 bairros
Levar grandes empreendimentos imobiliários adiante na cidade de São Paulo definitivamente não é fácil. Os melhores bairros localizados nas regiões centrais praticamente não possuem mais terrenos disponíveis. Esse é o caso de Moema, Pinheiros, Sé, Consolação e Itaim Bibi. Já boa parte das regiões mais afastadas da cidade carecem da infraestrutura mínima necessária para que uma incorporadora se arrisque a erguer um empreendimento naquele local. Para piorar, desde 2007 a prefeitura e os vereadores da cidade não conseguem entrar em um acordo que permita a revisão do plano diretor estratégico, que estabelece limites para a construção de grandes empreendimentos na cidade. O resultado é que ao menos 11 grandes bairros paulistanos já tiveram seu potencial de construção esgotado, de acordo com as regras do atual plano diretor regional (veja a lista de bairros nas páginas seguintes). Essas regiões somente poderão abrigar os grandes prédios de apartamentos que já tiveram seus projetos aprovados pela prefeitura - a menos que a revisão do plano diretor seja aprovada. Quem acompanha as discussões, no entanto, aposta que o atual plano diretor não será revisado até seu vencimento em 2012, quando será necessário elaborar um novo com validade até 2022. Segundo Max Rezende, presidente da consultoria imobiliária Solamax, o impasse na Câmara dos Vereadores gera duas consequências: 1) os terrenos nessas regiões onde não é possível mais construir perdem valor porque já que não despertam mais o interesse das incorporadoras; e 2) os preços dos imóveis já construídos tendem a subir nessas regiões, uma vez que cresce a chance de que a oferta de novos apartamentos seja menor que a demanda.

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