domingo, 16 de outubro de 2011

Muito mais que uma crise de dívida

A crise mundial continua gerando um ambiente de incerteza e vem trazendo inquietação aos investidores. A cada semana surge a expectativa de que algum programa para gestão dos problemas de dívida de algumas economias poderá definitivamente trazer calma aos mercados. O fundo de estabilização europeu aparece como possível mecanismo, mas sempre há algum impasse. Seja pelo volume disponível, seja por algum país contrário à injeção de recursos no mesmo. Resultado? Volatilidade.
Um dos grandes problemas é que a discussão vem sendo pautada apenas pela gestão do contágio de um possível default grego nas demais economias européias. Sim, essa gestão é importante, principalmente no cuidado com os sistemas financeiros mais expostos (vide Bancos, países e ratings). Mas a gestão do contágio não resolve os problemas das economias engajadas em um projeto altamente questionável. Sim, estou falando do euro.

O grande problema das economias não emergiu (em geral) de uma situação fiscal muito descontrolada. No gráfico abaixo pode-se constatar que os países periféricos da Zona do Euro incorriam em superávits primários até 2007, com exceção da Grécia e de alguns anos para Portugal. Esses dois países pelo que tenho analisado já apresentavam diversos indicadores fragilizados nesse período, mas irei abordar os dois especificamente em um outro post.


A trajetória do endividamento pré-crise financeira de 2008 também não mostrava grandes problemas (salvo em Portugal). Colocando a razão dívida/PIB em 2000 como base 100, o gráfico abaixo mostra a evolução:


Agora, a competitividade dos países já não apresentava um comportamento tão favorável. As diferenças nos ciclos de negócio entre as economias mais desenvolvidas do bloco e as economias periféricas gerava uma situação de desbalanceamento. Ao analisar o resultado da conta corrente em relação ao PIB antes da crise de 2008, a diferença é gritante:


Essa situação poderia ser corrigida através de alterações na taxa de câmbio. Todavia, como a taxa de câmbio nominal é fixa entre os países que adotaram o euro, a correção pode vir através dos preços, mas esse ajuste é mais demorado (vide Dá para agüentar até o médio prazo?).

Claro que pode-se argumentar que os déficits em conta corrente dos países nesse período foram sempre financiados (estou preparando um texto sobre um possível motivo para isso, e minha visão de médio prazo é de que a situação não será tão boa em Portugal), seja por uma decisão intertemporal de outros países (e.g. asiáticos) em pouparem mais no presente, ou pela suposta atratividade de pertencer à Zona do Euro.

O fato é que o diferencial de competitividade vem se mostrando um grande problema. A correção deve demorar (a não ser que os países deixem o euro), o que pode trazer muita perda de bem-estar social, sem falar na incerteza e na volatilidade.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Mercado imobiliário brasileiro: análise sob a ótica de asset pricing

O comportamento do mercado imobiliário brasileiro vem me preocupando há algum tempo. Entre as diversas maneiras de abordar a situação, resolvi fazer um exercício para comparar fundamentos com a realidade. Sendo assim, a evolução dos preços das residências - cuja referência neste texto é o índice fipezap - foi analisada sob a ótica de um modelo simples de asset pricing (desenvolvido neste post). O modelo originalmente avalia o comportamento do preço de uma ação com base em algumas premissas. O preço de um imóvel apresenta características semelhantes. Grosseiramente falando, tanto no caso das ações como nos imóveis, está presente o ganho de capital. Ao passo que os acionistas recebem dividendos e os proprietários, aluguel.
i) Fatos estilizados
Para caracterizar a situação, alguns gráficos. O primeiro mostra a evolução do índice para São Paulo (optei por não colocar o índice geral por dois motivos 1) a série é curta; 2) para minimizar distorções da agregação) de janeiro de 2008 a setembro de 2011, cuja base 100 é o mês de agosto de 2010:


Utilizando o IPCA para deflacionar (sim, eu sei, eu deveria pegar um índice regional, mas apenas para facilitar e a conclusão não se altera), o ganho real entre agosto de 2010 e agosto de 2011 foi de 19,2%.

O próximo gráfico mostra a evolução do índice no Rio de Janeiro:


Sob a mesma métrica, o ganho real entre agosto de 2010 e agosto de 2011 foi de 31,7%.

ii) Avaliando os fundamentos
Com base no modelo de asset pricing supracitado, a evolução do índice deveria ter sido um pouco mais suave, conforme pode ser verificado no gráfico abaixo:

Ressalvas:

- algumas premissas do modelo já são questionáveis para ações (fiz essa ressalva no texto que trato do sobre o modelo), e ficam ainda mais no caso de imóveis. Todavia, a base do modelo é o "valor justo", calculado pelo valor presente dos fluxos de caixa futuros (utilizei a taxa de aluguel de SELIC + 3% ao ano, contudo, fiz diversas simulações aumentando o juro fixo e o resultado é muito semelhante), um conceito que não é perfeito, mas reflete de alguma forma uma precificação calcada em fundamentos.

- o mercado de crédito imobiliário é extremamente insipiente no Brasil, e a sua evolução pode afetar diretamente os preços dos imóveis tanto do lado da oferta quanto do lado da demanda, assim como as alterações estruturais de outras variáveis macroeconômicas e das mudanças demográficas que país vem registrando, gerando diferenças entre o real e o estimado pelo modelo, que dificilmente captaria esses fatores.

Sendo assim, o "descolamento" pode ser explicado por imperfeições no modelo. Ou será que o comportamento dos preços é que segue uma dinâmica afastada dos fundamentos?

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