quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Você é o que você faz?‏

por Fernanda de Almeida

O futuro vislumbrado por Charles Chaplin no filme Tempos Modernos – em que pessoas se transformavam em pequenas peças da engrenagem, facilmente substituíveis – tem se tornado o passado da relação entre as empresas e seus funcionários. Conciliar a função prática de cada profissional com sua identidade pessoal tem sido um dos maiores desafios da área de Recursos Humanos. Como fazer que com funcionários adotem e sigam os valores propostos pela companhia sem que percam sua personalidade individual?

“Nenhum compêndio de regras seria complexo o suficiente para considerar todas as variáveis possíveis num grande número de pessoas reunidas, atuando e interagindo entre si, com personalidades e objetivos pessoais divergentes ou convergentes” afirma Flávia Garbo, gerente de Desenvolvimento Organizacional da Luandre, que atua na área de RH.

Valores individuais x valores corporativos

Para José Augusto Figueiredo, COO (Chief Operations Officer) da DBM, grande parte da dificuldade está no fato de os funcionários não terem seus próprios valores pessoais bem delineados. “A maioria das pessoas não está preparada para se autoavaliar e se conhecer. Quando entram em uma empresa com fortes valores, o profissional muitas vezes assume para si esses valores sem saber exatamente se concorda ou se quer aquilo para sua vida. O resultado é um funcionário insatisfeito, sem saber apontar onde está o problema”, diz.

Por isso, é fundamental que as adaptações da personalidade não cheguem a comprometer a identidade original da pessoa. “É natural que as pessoas façam pequenos ajustes em alguns traços de personalidade para adaptarem-se às competências necessárias e, assim, exercerem uma função ou desenvolverem-se na carreira escolhida, da mesma forma que fazemos ajustes para nos adaptarmos aos diversos papéis que desempenhamos no decorrer da vida, como o de marido, pai etc”, afirma Flávia. “Porém, é preciso ter clareza de que a vida profissional é um papel e não a identidade, pois quando um assume o outro, a pessoa pode vir a ter conflitos intensos quando a carreira oscila ou muda de rumo”, complementa.

A empresa é o local onde os trabalhadores passam pelo menos 30% do dia e isso inevitavelmente exercerá influência direta na vida pessoal, familiar, educacional e econômica de cada um. Gisele Irikura, gerente de RH da GGD Metals, distribuidora de aços e metais sob medida, acredita que isso torna as empresas uma instituição tipicamente social. “A empresa tem a responsabilidade de transmitir valores edificantes a seus colaboradores, promovendo seu crescimento profissional e pessoal”, afirma.

Sem massificações

Embora o que solucione essa complicada equação sejam elementos de caráter subjetivo – justamente por essa ser uma questão cultural – alguma soluções práticas são possíveis. E não coincidentemente, todas elas passam por um olhar mais cuidadoso e individualizado em relação ao colaborador.

Tratar a pessoa pelo nome e sobrenome e não pelo número de seu registro é uma das primeiras mudanças de atitude que devem ser tomadas. Também é possível utilizar as ferramentas de comunicação da empresa para que o funcionário se sinta respeitado na sua individualidade. “Pequenas ações como um e-mail de felicitações no dia do aniversário, mesmo parecendo simples, já faz com que o funcionário se sinta visto pela empresa”, exemplifica Flávia.

É o que acontece na GGD Metals. Além de cartas nominais e fotos dos aniversariantes no jornal interno, por exemplo, a empresa respeita a meritocracia. “Adotamos uma avaliação de desempenho embasada na observação individual de cada profissional, o que pode desencadear em promoção ou oportunidades de desenvolvimento”, conta Gisele. Nos casos em que há profissionais comprometidos, com ótimo desempenho, porém com deficiências acadêmicas, a empresa investe na formação desses colaboradores. A empresa também está sempre aberta para ouvir. Afinal, abrir um canal de comunicação de fato é um caminho importante para se respeitar diferenças e idiossincrasias.

O ideal é que a empresa tenha políticas de gestão de pessoas com parâmetros claramente definidos – e não regras rígidas, burocráticas e incoerentes –, que as expectativas da empresa com relação aos seus colaboradores estejam claras para todos os níveis, e que os líderes sejam preparados e fortalecidos para fazer valer as diretrizes empresariais, sem perder o foco das características individuais.

Tamanho não é documento

Quanto maior a empresa, maior a quantidade de colaboradores. Considerando que cada um mantém suas características pessoais e os próprios traços de personalidade, gerir estas pessoas torna-se exponencialmente complexo. E é por isto que, a fim de manter a imparcialidade e garantir justiça na avaliação e reconhecimento dos funcionários, as empresas, muitas vezes, optam por definir regras e mantê-las indistintamente. “O ideal é sempre buscar um nível intermediário, no qual o colaborador tenha clareza das diretrizes e políticas e sinta que sua individualidade é respeitada e considerada”, explica Flávia.

“E é sempre importante ressaltar que bons líderes facilitam o processo à medida que conhecem cada membro da equipe em sua individualidade, tornando possível, assim, incentivar cada funcionário a utilizar seus talentos para um melhor desempenho a cada dia. Como consequência disto, o colaborador atinge melhores resultados, e conquista o reconhecimento almejado”, finaliza.

Para Figueiredo a questão não está ligada diretamente ao tamanho da empresa, mas à forma da gestão e liderança. “Hoje, com a altíssima competitividade do mercado, são poucas as empresas que não valorizam as pessoas. Mas há companhias que ainda funcionam pela liderança que causa medo, pelos gritos, pela transmissão de valores de maneira forçada. E isso tende a não funcionar. A solução é os gestores terem em mente os valores da empresa e os olhos atentos para os valores dos indivíduos, criando maneiras dessas variações conviverem em harmonia”, afirma.

Vantagens e desvantagens

As vantagens de investir nas características pessoais dos funcionários estão em adequar a utilização dos atributos e talentos de cada um, o que tende a aumentar a performance dos colaboradores, trazendo resultados positivos para a empresa. Segundo Figueiredo, cada funcionário deve ter embaixo da camisa da empresa, sua própria camisa. “Quando a pessoa tem clareza sobre seus valores e seus objetivos, entende melhor as solicitações da empresa e age com mais segurança. Por isso, investir nesse autoconhecimento profissional é tão importante”, completa.

Gisele, da GGD Metals, conta que “a grande vantagem é que tanto a empresa quanto o colaborador podem ter o melhor que a outra parte pode oferecer e gerar uma relação sólida e de longa data. Quando olhamos um garimpo massificado não conseguimos enxergar os pequenos diamantes. Para encontrá-los é necessário olhar de perto, o que demanda tempo e empenho. A desvantagem é que é um processo longo e que exige muito esforço diário”, diz.

Essa busca pela individualidade de cada profissional também requer cuidados. “Há o risco de que os critérios para avaliação e reconhecimento se tornem pessoais demais, o que pode gerar uma imagem de parcialidade para com os processos de gestão de pessoas da empresa. Por isso, , o ideal é encontrar o equilíbrio entre os valores pessoais e profissionais”, finaliza.

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