quarta-feira, 28 de setembro de 2011

"Itaquerão" paralisa venda de imóveis

VALOR ECONÔMICO
Por Samantha Maia | De São Paulo
Um apartamento com vista para o "Itaquerão", estádio do Sport Club Corinthians Paulista que está sendo construído para a Copa do Mundo de futebol de 2014 em São Paulo, custa até R$ 160 mil na Cohab vizinha, quase o dobro do que valia há um ano. O preço de imóveis na região do bairro de Itaquera, Zona Leste, aumentou devido à expectativa criada pelos investimentos relacionados ao evento esportivo, mas por enquanto a falta de definição sobre o que realmente vai mudar no bairro faz com que poucos se disponham a garantir um lugar perto da poeira levantada pela futura arena esportiva.
Dessa forma, o primeiro impacto do investimento de R$ 820 milhões na região foi a queda dos negócios fechados pelas imobiliárias e construtoras. Algumas empresas relatam que o número de contratos assinados caiu pela metade, em comparação com um ano atrás. A explicação seria a valorização fora da realidade dos imóveis. O proprietário tem a sensação de que seu imóvel vale mais por causa da visibilidade proporcionada pela Copa, mas não há quem se disponha a pagar o preço alto.
"Temos a sensação de que os imóveis valorizaram, mas isso só travou o mercado", diz Floriano Coelho Silva, dono da construtora e incorporadora Tkasa e da FN Imobiliária. Ele conta que a construtora costumava fechar em média dez negócios por mês há um ano na região, mas hoje não consegue chegar a cinco. Outras três imobiliárias de Itaquera relataram a mesma desaceleração nas vendas. "A valorização real, aquela que se sente depois que o negócio é feito, só vai ocorrer com as melhorias no bairro", diz.
Essa também é a opinião de Reginaldo Marchi, dono da MB Construtora e da imobiliária Xavier e Brito. Segundo ele, a alta dos preços paralisou a compra de terrenos. "Não estamos conseguindo comprar porque o preço está fora da realidade, é apenas especulação", diz. A construtora está com dificuldade para vender quatro sobrados a 200 metros do futuro estádio porque os compradores estão inseguros sobre o impacto do Itaquerão nas mediações. "As pessoas estão com receio de que o estádio cause um impacto ruim, considerando que hoje o único acesso é pela avenida Radial Leste", diz Marchi.
Com 220 mil habitantes, Itaquera é o décimo bairro mais populoso de São Paulo e fica a 19 quilômetros do Centro. Ter uma estação de metrô, inaugurada em 1988, não alivia as suas ruas. Às quatro e meia da tarde o trânsito na avenida Itaquera já é pesado. O acesso pela Radial Leste, avenida que liga a região ao centro da cidade, fica comprometido. Às três da tarde de uma sexta-feira, um acidente com moto parou completamente a rua ao lado do Itaquerão. Boa parte da população do bairro trabalha em outras regiões e a consequência é a lotação dos transportes públicos nos horários de pico. "O estádio pode valorizar ou desvalorizar o bairro, depende do que for feito para melhorar o transporte", diz Silva.
Especificamente para a área há um plano de investimento da prefeitura e do Estado, de R$ 478 milhões, mas os projetos ainda estão em fase de elaboração pela prefeitura e pela Dersa. Estão previstas obras viárias para melhorar o acesso ao bairro, além de instalações públicas, como uma faculdade técnica (Fatec), uma escola técnica, uma unidade do Senai, uma estação rodoviária e um batalhão da Polícia Militar. A maior parte das obras deve ser entregue até dezembro de 2013, segundo planejamento dos governos.
Gilmar Tadeu Ribeiro Alves, secretário-especial de articulação para a Copa do Mundo (Secopa) da Prefeitura de São Paulo, diz que os investimentos viários programados devem melhorar o transporte entre as regiões Leste e Oeste da cidade. "Todo o entorno do estádio será atendido pelos investimentos, que incluirão novos acessos rodoviários, corredor de ônibus e melhorias no metrô", afirma.
Sem ter noção clara do impacto que essas obras vão trazer ao bairro, a construtora Tkasa suspendeu três investimentos em habitação. O dono teme que a valorização torne inviável a venda dos sobrados planejados. "O bairro não comporta valores mais altos, não tem demanda. Quem quer morar aqui não tem condição de pagar mais", diz Silva.
Segundo João Crestana, presidente do Secovi, entidade que representa as empresas do setor imobiliário, experiência em outros locais com operações urbanas semelhantes mostra que leva uns dez anos até que tudo se estruture e os preços cheguem em num nível adequado. "Mas é preciso ter a consciência de que quem vai morar em Itaquera é uma família de classe média, com limitação de gasto", diz Crestana sobre a dificuldade que já há hoje para fechar negócios.
O preço pedido pelo metro quadrado em Arthur Alvim, bairro próximo ao estádio, saltou de R$ 1,7 mil no ano passado para R$ 2,6 mil neste ano, segundo a imobiliária Berbel. "Isso deu uma parada nas vendas, pois é uma classe mais baixa que compra por aqui", diz Alexandre Berbel, proprietário da imobiliária.
Ele também está preocupado com os problemas que um movimento maior de pessoas no bairro pode trazer. "No dia da festa de aniversário do Corinthians, a Radial Leste parou, e isso porque só tinha umas 5 mil pessoas. Como será em dias de jogos aqui?", pergunta Berbel.
Para o vice-presidente do Sinduscon-SP Odair Senra é preciso esperar mais um pouco para investir em Itaquera. "O Itaquerão vai modificar muito o seu entorno e essas mudanças também dependem de quando as obras do governo vão sair", diz. Ele explica que essa era uma região voltada para habitação de interesse social. "Pode ser que com o tempo o bairro tenha um 'upgrade', mas as empresas grandes só vão chegar se houver uma demanda para isso, o que não existe hoje."
O corretor Carlos da Silva conta que há casas sendo oferecidas por R$ 600 mil em Itaquera, enquanto no ano passado o preço estava era de R$ 450 mil. "Existe uma especulação grande nos preços, só que as vendas pararam por causa disso", diz. Silvio José Gonçalves, dono da imobiliária Catita, também não consegue ver ainda o lado positivo da chegada do estádio no bairro. "A valorização dos imóveis só vem atrapalhar o mercado", diz.
Outras pessoas preocupadas com as mudanças que estão por vir são os moradores de favelas nas imediações do estádio. Diana do Nascimento, que mora na Vila da Luz, a poucos metros do Itaquerão, reclama da falta de informação da prefeitura sobre o que vai ser realizado. "Sabemos que vão fazer obras por aqui, mas não sabemos se teremos de sair e para onde vamos", diz. Cerca de 480 pessoas vivem nessa ocupação irregular. "Moramos em um lugar bom. Tem hospital, mercado, ônibus, metrô. Minha vizinha (aponta para a moça com uma criança que acaba de chegar) leva a menina dela para a creche de metrô. Se tirarem a gente daqui, como vai ficar?", pergunta a pernambucana.
A mulher de 34 anos vive na Vila da Luz há 16 anos, e conta que quando chegou só havia mato ali. Ela defende a urbanização da favela, para evitar remoções. "Para construir o estádio a prefeitura tem dinheiro, mas para urbanizar a favela não tem?", pergunta.
Segundo Alves, secretário da Secopa, a prefeitura vai divulgar os lugares que serão desapropriados apenas quando souber exatamente onde vai haver interferência. Por enquanto não há definição sobre o número de pessoas que serão desalojadas, nem quais serão os investimentos para a realocação.

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